Este não é um pensamento incomum, pode ser que já tenha ocorrido com você. Ou talvez você já tenha ouvido julgamentos como “fulano é bipolar”, que são comuns no cotidiano. Precisamos desmistificar algumas coisas. A concepção popular de bipolaridade no geral é bastante diferente da concepção médica da coisa.
Provavelmente você algum dia se perguntou se poderia ser bipolar porque viu que mudou de sentimento ou opinião muito rapidamente, dentro de um dia ou de poucos dias. Primeiro, essa é uma concepção incorreta, por alguns motivos. Em termos médicos, é considerada ciclagem rápida (isto é, mudança rápida de um estado de humor para outro) quando observamos 4 ou mais fases da doença (cada qual com humores característicos) em um período de 12 meses! Ou seja, não é um dia em que você chorou de manhã mas de tarde deu risada com seus amigos que vai determinar a presença de um transtorno. Além disso, para diagnóstico preciso, de acordo com o DSM-V (o manual internacionalmente usado para diagnóstico de doenças psiquiátricas), o mais importante para caracterizar alguém como bipolar é o período de euforia – que chamamos de mania ou hipomania, dependendo do grau em que ela ocorre – que a pessoa passa. E aí, entramos em outro conceito que muitas vezes não é bem compreendido..
No imaginário popular, pensamos na euforia como alguém muito agitado, feliz, certo? Bom, em termos psiquiátricos, há mais fatores envolvidos. Não basta estar muito feliz. Para caracterizarmos uma pessoa em mania ou hipomania, vários aspectos da vida dela têm de estar envolvidos. Por exemplo, a euforia, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas sentir-se feliz. É sentir-se super bem consigo mesmo, sentir menos sono do que o normal, com a auto-estima lá em cima, a tal ponto que a pessoa passa a ter comportamentos que uma pessoa com uma euforia saudável não teria. Por exemplo, o paciente em mania sente-se tão bem, como se fosse o “dono do mundo” e de si mesmo, que acaba comprando coisas compulsivamente, pois acredita que merece e que tem todo o dinheiro para tal (mesmo que não tenha). Acredita que é imbatível, infalível, e passa a adotar comportamentos muito perigosos para si mesmo, como uma hipersexualidade que o leva a ter relações sexuais com múltiplos parceiros, muitas vezes desprotegidas, sem pensar nas consequências disto. E, não se engane, ao contrário do que muitos pensam, não é que a pessoa é inconsequente, irracional, ou que não tenha amor por si, é um reflexo de sua doença! Os pacientes, de fato, não costumam ver aquilo que estão fazendo como algo perigoso. Podem acreditar piamente que são invencíveis ou imunes a coisas ruins.
Na maioria das vezes, essas fases de humor elevado por assim dizer duram algumas semanas a meses – bem diferente da pessoa saudável que achou que seria bipolar, não?
Do outro lado da moeda, temos os episódios de depressão. E aí, não há muito como diferenciar de um episódio depressivo de alguém que tenha essa doença. Na verdade, muitos pacientes com transtorno bipolar são erroneamente diagnosticados como tendo depressão. Isso faz sentido se pensarmos que, na sociedade em que vivemos, é mais fácil reconhecer um familiar, amigo ou conhecido que esteja deprimido do que reconhecer como anormal um estado de euforia.. Esse é um dos principais problemas da bipolaridade, pois o diagnóstico pode demorar anos para ser feito!
Algo que pode ajudar o diagnóstico nesse sentido é a resposta do paciente ao uso de antidepressivos. Geralmente, os primeiros antidepressivos que são prescritos para alguém recém-diagnosticado com depressão são os chamados inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). O que observamos nos pacientes com transtorno bipolar que começam a fazer uso desses medicamentos é uma melhora muito rápida e expressiva dos sintomas depressivos. Legal, né? Na verdade não.. O esperado é que esses medicamentos demorem algumas semanas para começar a fazer o seu efeito, e essa melhora muito rápida é algo que deve acender um sinal de alerta na cabeça do médico que prescreveu esses medicamentos. Isso porque os ISRS costumam precipitar episódios de mania ou hipomania nos pacientes bipolares, o que, como já vimos, pode representar um risco para eles!
Vale dizer que uma grande porcentagem de pacientes com transtorno bipolar tem ideação suicida e muitos chegam inclusive a tentar ou mesmo tirar as suas próprias vidas. Estranho pensar nessa doença, não? Um dia a pessoa se sente dona do mundo, no outro sente-se tão mal que poderia suicidar-se…
Para complicar ainda mais, dificilmente a doença vem desacompanhada. Muitos pacientes, além da bipolaridade, têm outras comorbidades – psiquiátricas ou não. É comum que tenham transtornos de ansiedade, transtornos de personalidade, déficit de atenção, uso de drogas.. Enfim, uma infinidade de condições que podem vir junto. Isso torna o diagnóstico muito difícil para o médico, e pode confundir muito a cabeça dos pacientes.
A notícia boa é que o transtorno bipolar é uma doença que tem tratamento, e que vemos muitos pacientes com uma evolução muito boa depois que tratados! Às vezes pode ser difícil vencer as amarras e julgamentos sociais, pois essas pessoas ainda sofrem muito estigma social, porém se há algo acontecendo com você ou com alguém que você conheça que esteja trazendo sofrimento ou conflito social, é importante saber que existe uma rede de apoio à qual você pode recorrer, e que o tratamento tem perspectivas muito boas.